quinta-feira, junho 17, 2004

Recordando Sousa Franco


Sobre o Prof. António Sousa Franco, já muita gente escreveu, gente de todos os quadrantes políticos e sociais que conhecia bem o seu percurso político e académico, o seu carácter rigoroso e determinado, o seu ideário genuinamente democrático, as motivações mais profundas da sua actividade como cidadão.

Para quem tinha de Sousa Franco uma visão pouco informada, muitas vezes alimentada pelos seus adversários políticos, deve ter constituído uma grande surpresa a quase unanimidade de pontos de vista (nalguns casos com muita hipocrisia à mistura) sobre as suas enormes qualidades como homem e como cidadão, como certamente constituiu surpresa para muita gente a excelente performance patenteada durante a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, a cujo debate político e ideológico trouxe fortes convicções, frescura, imaginação e determinação.

Pessoalmente, nunca tive grandes contactos com Sousa Franco, para além de uma experiência vivida em 1999, que muito me marcou e que não mais esqueci, quando ele era Ministro da Finanças do primeiro governo de António Guterres e eu era administrador da IPE e Presidente do Conselho de Administração da Águas de Portugal. Foi durante uma deslocação ao Brasil, realizada por iniciativa de Sousa Franco, que pretendia ter uma visão mais directa dos investimentos e dos projectos que o sector internacional da IPE, a Águas de Portugal e outras grandes empresas portuguesas como a EDP e a PT estavam a desenvolver naquele país, traduzindo com este gesto o seu apoio e incentivo à internacionalização das empresas portuguesas.

Durante quatro ou cinco dias privei assim com Sousa Franco e também com sua mulher, Dra. Matilde Sousa Franco que o acompanhou nessa deslocação. Recordo muito em particular o dia inteiro dedicado ao principal projecto da Águas de Portugal no Brasil, a concessão de abastecimento de água e saneamento da Região dos Lagos, no norte do Estado do Rio de Janeiro, abrangendo os municípios de Arraial do Cabo, Búzios, Cabo Frio, Iguaba Grande e São Pedro e gerida pela Prolagos. Sousa Franco quis visitar várias componentes do projecto - Estação de Tratamento de Água, Estação Elevatória, Laboratório de Análises de Água, obras de construção de condutas, etc. - tendo almoçado com todos os Presidentes de Câmara (Prefeitos) dos municípios envolvidos.

Tive a grata oportunidade de conhecer melhor um grande Ministro, o seu pensamento político, a sua visão do Mundo, a sua vasta cultura, a sua profunda honestidade intelectual, a sua concepção do importante papel do Estado e do sector público empresarial, o seu apego às causas públicas e ao serviço público, o seu portuguesismo e a sua confiança nas capacidades de Portugal e dos portugueses, o seu fino humor e a sua intensa alegria de viver. E também o seu entusiasmo pelo nosso projecto no Brasil, que considerava dever ser enquadrado numa perspectiva de longo prazo e ao qual insistentemente apontou o seu carácter estratégico para o País. Uma lição para muitos espíritos tacanhos e neoliberais que, infelizmente, continua a fazer alguma escola no nosso País.

Hoje está um bocado na moda dizer mal do sector público empresarial, pôr em dúvida as suas capacidades, não reconhecer a sua importância estratégica na eliminação de falhas de Estado ou na correcção de falhas de mercado, e não reconhecer o seu decisivo papel no desenvolvimento económico e social do País, na modernização da economia, na internacionalização das empresas portuguesas, públicas e privadas, e na afirmação de Portugal no Mundo. Claro que para isso dá muito jeito aos detractores do sector público empresarial que este seja mal gerido, não tenha visão estratégica ou seja uma coutada de "jobs for de boys", para depois tirarem partido dos seus falhanços e porem em causa as suas missões. Que lhes fique o proveito.

Mas essa não foi a lição que Sousa Franco me transmitiu em 1999, quando conversávamos em terras brasileiras. E estou seguro que ele estava certo.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 17.Jun.2004)

quinta-feira, junho 03, 2004

Os sinais e as consequências


Quem comparar objectivamente a política do ambiente prosseguida em Portugal no período 1995-2001 com a que tem vindo a ser penosamente seguida nos últimos dois anos, não pode deixar de constatar a notória estagnação e mesmo o retrocesso que se tem verificado em muitas áreas dessa política.

A coisa começou mal logo de princípio. Para ser mais rigoroso, começou mal ainda durante a campanha eleitoral, quando se anunciaram de forma atabalhoada, e sem o necessário estudo e amadurecimento, alterações ao que vinha a ser feito, com notável sucesso, em áreas de grande importância para o País como, por exemplo, a do abastecimento de água e saneamento ou a do tratamento dos resíduos industriais perigosos. Não está, evidentemente, em causa, a legitimidade e até a obrigatoriedade do actual Governo proceder às alterações que considere necessárias para aprofundar, melhorar, corrigir ou redireccionar a política do ambiente nestas áreas, de acordo com o que considere serem os interesses de Portugal e dos portugueses; mas são precisamente estes interesses que exigem uma adequada ponderação na introdução dessas alterações, não devendo estas ser motivadas, como parece ser o caso, pela simples vontade de destruir o que foi feito ou de fazer diferente, ou para servir interesses particulares ou de clientelas políticas.

Com a tomada de posse do Governo, vieram os sinais da importância que passava a ser dada à política do ambiente: o Ministério da tutela passou a chamar-se das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, e para ficar claro que esta alteração de nome não era meramente formal, o respectivo titular, Isaltino Morais, passou a ocupar o último lugar na hierarquia ministerial. A substituição de Isaltino Morais por Amílcar Theias não corrigiu, antes agravou estes sinais; e quanto ao novo ministro Arlindo Cunha, o terceiro em dois anos, se parece ter maior peso e experiência política que o anterior, mantém o último lugar na hierarquia ministerial.

Depois vieram as substituições e nomeações para os cargos políticos do Ministério, para as administrações das empresas sob sua tutela, etc., sendo claramente visível que, em muitos casos, tais nomeações não se pautaram por critérios de rigor, competência e isenção partidária, contrariamente ao que havia sido tão repetida e enfaticamente anunciado.

As consequências destes sinais são alarmantes para o desenvolvimento do País.

A transposição da Directiva-Quadro da Água e a elaboração de uma nova Lei da Água, de que o ministro José Sócrates havia apresentado um anteprojecto ao Conselho Nacional da Água, estiveram oito meses estagnadas, tendo a posterior evolução deste dossier sido ainda afectada pelas alterações ministeriais. Estamos, desde Dezembro de 2003, em incumprimento de prazo na transposição da Directiva e significativamente atrasados na criação de condições para a sua implementação e para a prossecução de uma adequada política da água em Portugal.

A definição do modelo de reestruturação do sector da água passou pela nomeação de três grupos de trabalho e pelo dispêndio de milhões de euros em algumas propostas absurdas e sem qualquer exequibilidade, para acabar por ser aprovada apenas há dias por iniciativa do ministro Amílcar Theias que logo a seguir foi demitido por razões não esclarecidas.

A implementação do PEAASAR-Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais tem vindo a arrastar-se inexplicavelmente, tanto ao nível dos sistemas multimunicipais como dos sistemas municipais; por exemplo, o investimento realizado pela Águas de Portugal em 2003 foi inferior ao realizado em 2002, quando o cumprimento dos objectivos traçados exigia que tivesse sido substancialmente superior, não se sabendo ainda que parte deste atraso vai ser recuperada em 2004.

No que respeita à implementação da Convenção sobre os rios luso-espanhóis, ao tratamento dos resíduos industriais perigosos, à conservação da natureza, às alterações climáticas e a muitos outros dossiers a situação não é, infelizmente, muito diferente.

Será o novo ministro Arlindo Cunha capaz de inverter esta situação? Aguardemos os sinais.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 3.Jun.2004)

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