quinta-feira, junho 03, 2004

Os sinais e as consequências


Quem comparar objectivamente a política do ambiente prosseguida em Portugal no período 1995-2001 com a que tem vindo a ser penosamente seguida nos últimos dois anos, não pode deixar de constatar a notória estagnação e mesmo o retrocesso que se tem verificado em muitas áreas dessa política.

A coisa começou mal logo de princípio. Para ser mais rigoroso, começou mal ainda durante a campanha eleitoral, quando se anunciaram de forma atabalhoada, e sem o necessário estudo e amadurecimento, alterações ao que vinha a ser feito, com notável sucesso, em áreas de grande importância para o País como, por exemplo, a do abastecimento de água e saneamento ou a do tratamento dos resíduos industriais perigosos. Não está, evidentemente, em causa, a legitimidade e até a obrigatoriedade do actual Governo proceder às alterações que considere necessárias para aprofundar, melhorar, corrigir ou redireccionar a política do ambiente nestas áreas, de acordo com o que considere serem os interesses de Portugal e dos portugueses; mas são precisamente estes interesses que exigem uma adequada ponderação na introdução dessas alterações, não devendo estas ser motivadas, como parece ser o caso, pela simples vontade de destruir o que foi feito ou de fazer diferente, ou para servir interesses particulares ou de clientelas políticas.

Com a tomada de posse do Governo, vieram os sinais da importância que passava a ser dada à política do ambiente: o Ministério da tutela passou a chamar-se das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, e para ficar claro que esta alteração de nome não era meramente formal, o respectivo titular, Isaltino Morais, passou a ocupar o último lugar na hierarquia ministerial. A substituição de Isaltino Morais por Amílcar Theias não corrigiu, antes agravou estes sinais; e quanto ao novo ministro Arlindo Cunha, o terceiro em dois anos, se parece ter maior peso e experiência política que o anterior, mantém o último lugar na hierarquia ministerial.

Depois vieram as substituições e nomeações para os cargos políticos do Ministério, para as administrações das empresas sob sua tutela, etc., sendo claramente visível que, em muitos casos, tais nomeações não se pautaram por critérios de rigor, competência e isenção partidária, contrariamente ao que havia sido tão repetida e enfaticamente anunciado.

As consequências destes sinais são alarmantes para o desenvolvimento do País.

A transposição da Directiva-Quadro da Água e a elaboração de uma nova Lei da Água, de que o ministro José Sócrates havia apresentado um anteprojecto ao Conselho Nacional da Água, estiveram oito meses estagnadas, tendo a posterior evolução deste dossier sido ainda afectada pelas alterações ministeriais. Estamos, desde Dezembro de 2003, em incumprimento de prazo na transposição da Directiva e significativamente atrasados na criação de condições para a sua implementação e para a prossecução de uma adequada política da água em Portugal.

A definição do modelo de reestruturação do sector da água passou pela nomeação de três grupos de trabalho e pelo dispêndio de milhões de euros em algumas propostas absurdas e sem qualquer exequibilidade, para acabar por ser aprovada apenas há dias por iniciativa do ministro Amílcar Theias que logo a seguir foi demitido por razões não esclarecidas.

A implementação do PEAASAR-Plano Estratégico de Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais tem vindo a arrastar-se inexplicavelmente, tanto ao nível dos sistemas multimunicipais como dos sistemas municipais; por exemplo, o investimento realizado pela Águas de Portugal em 2003 foi inferior ao realizado em 2002, quando o cumprimento dos objectivos traçados exigia que tivesse sido substancialmente superior, não se sabendo ainda que parte deste atraso vai ser recuperada em 2004.

No que respeita à implementação da Convenção sobre os rios luso-espanhóis, ao tratamento dos resíduos industriais perigosos, à conservação da natureza, às alterações climáticas e a muitos outros dossiers a situação não é, infelizmente, muito diferente.

Será o novo ministro Arlindo Cunha capaz de inverter esta situação? Aguardemos os sinais.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 3.Jun.2004)

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