quinta-feira, dezembro 02, 2004
O Governo incubado
No último fim de semana, o senhor Primeiro Ministro acabou, finalmente, por confirmar, contristadamente, que o seu Governo estava impreparado e incapacitado para dirigir os destinos do País, como aliás também já tinha sido comprovado e denunciado por grande parte do povo. Para fazer esta confirmação, Pedro Santana Lopes não recorreu, no entanto, à exposição directa dos factos e das suas causas, nem sequer à forma indirecta da parábola. Para espanto da Nação, preferiu recorrer a uma forma inédita em política, embora apropriada à expressão da desgraça, com o dramatismo que a situação do País justifica: cantou o fado para a sua família política, no caso vertente, uma variante do antigo e conhecido fado da Rosa Enjeitada. A criatividade da solução não se ficou por aqui: aproveitou a oportunidade de uma visita de Estado ao Norte do País para expor o drama familiar que tem atormentado a sua governação: o seu Governo foi mal-amado e indesejado antes de nascer, depois nasceu impreparado para a vida e, uma vez metido, por razões óbvias, na incubadora, tem sido alvo de maus tratos por parte de importantes membros da sua família.
Os sinais desta tragédia que tantos prejuízos tem trazido para o País são, aliás, bem conhecidos.
Durão Barroso, o anterior Primeiro Ministro e Presidente do PPD/PSD, pai da criança, abandonou a casa e a família e foi para Bruxelas ainda antes da criança nascer, não pretendendo assumir responsabilidades pela paternidade.
Não há certezas quanto à mãe, apenas se sabendo que abandonou a criança à nascença. Mas Manuela Ferreira Leite, a segunda figura do anterior Governo e figura de topo do PPD/PSD, politicamente íntima de Durão Barroso (será, porventura a própria mãe?), percebendo que este rebento, pelas suas previsíveis características, ia ter grandes problemas em sobreviver, defendeu, com o apoio de outros importantes membros da família, a interrupção voluntária da gravidez logo nos primeiros dias da gestação, solução que não vingou devido, entre outras, à nefasta influência de Paulo Portas da família amiga CDS/PP. Como se sabe, Manuela Ferreira Leite acabou por ser banida pela família, passando a ser tratada como uma desconhecida, mesmo no seu bairro, conforma a própria confessou. O mesmo tem vindo a suceder com outros familiares críticos deste nascimento.
O povo, muito preocupado com o que ia assistindo e com as catástrofes que se avizinhavam para o País, queria ser ouvido sobre a sucessão do anterior Governo, também ele já caído em desgraça perante o povo, mas não o deixaram, o que provocou uma compreensível e enorme insatisfação e um estado de grande depressão na Nação.
Para mal dos nossos pecados, a criança nasceu impreparada para a vida e teve de ser metida numa incubadora. Mesmo assim, insistiram em lhe atribuir o poder de governar, coisa nunca vista numa situação destas. Conhecem-se, da História, casos de monarquias em que jovens príncipes foram tornados reis ainda antes da maioridade, mas incubados e em regime republicano assumirem o poder de governar é caso único digno do livro de recordes do Guiness.
A agravar tudo isto, e segundo o actual Primeiro Ministro, muitos membros da sua família, em vez de mimarem a criança, não têm feito outra coisa senão abanar a incubadora e dar pontapés e estaladas no incubado.
Acresce ainda que, entre os membros da família PPD/PSD que têm lutado por manter a criança no poder, apesar da sua reconhecida incapacidade e da sua tendência para as trapalhadas, têm reinado grandes descoordenações de actuação, críticas surdas, desconfianças e intrigas, estando certamente já muitos deles a maldizer a hora em que se empenharam no seu nascimento e a pretender lavar daí as suas mãos. A coisa pode mesmo chegar ao ponto desta família sofrer uma desagregação de tal ordem que levará largos anos a recompor-se.
As relações com a família CDS/PP, inicialmente muito amiga e solidária (até porque tem colhido importantes benefícios da situação), têm igualmente evidenciado sinais de desentendimento.
Tudo isto tem estado a afundar cada vez mais o País e a agravar a desgraça e o descontentamento do povo.
É urgente, de facto, pôr fim a esta tragédia.
(Artigo publicado no "Diário Económico" de 02.Dez.2004)