quinta-feira, maio 06, 2004

O que torto nasce...


A forma como o projecto do túnel do Marquês tem vindo a ser conduzido é paradigmática de um estilo atrabiliário e insensato de tomada de decisões sobre questões de grande importância política, económica, social e ambiental, infelizmente ainda muito em voga no nosso País. Ela reflecte também a impreparação e o grande atraso cultural de muitos dos nossos governantes e, frequentemente, uma concepção autoritária e pseudo iluminada do poder.

A primeira questão, que desde início se levantou, tem a ver com as razões que presidiram à decisão da construir o túnel. Que problemas se pretendem resolver com essa construção? Que impactos negativos significativos são induzidos por essa solução? Que soluções alternativas existem para resolver esses problemas? Qual o balanço entre vantagens e inconvenientes entre essas várias soluções alternativas? Até ao momento, estas interrogações não tiveram ainda uma resposta minimamente clara, convincente e mobilizadora para grande parte da população de Lisboa, sendo a solução túnel adoptada bastante contestada por muitos técnicos e especialistas na matéria.

A construção e exploração de túneis rodoviários revestem-se, em muitos casos, de acentuada complexidade, em função, por exemplo, da área onde se inserem e da sua ocupação e utilização, da natureza e morfologia dos terrenos e linhas de água que atravessam, do volume e tipo de tráfego a que se destinam, da sua extensão, dos bens patrimoniais e ambientais que podem irreversivelmente lesar, etc., sendo certamente o túnel do Marquês um dos caos em que todas estas questões têm particular relevância.

Por esse motivo, a construção e exploração destes túneis têm merecido a atenção das instituições competentes da União Europeia, estando neste momento a ser ultimada uma Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos requisitos mínimos de segurança para os túneis da Rede Rodoviária Transeuropeia. Se é certo que esta Directiva não se aplica ao túnel do Marquês, dado não fazer parte daquela Rede, não é menos certo que a Directiva, para estes casos, recomenda, a todos os Estados-membros, a implementação de níveis de segurança comparáveis aos que constam da Directiva.

Precisamente para garantir esses níveis mínimos de segurança, a Directiva define um conjunto muito importante e numeroso de critérios que obrigatoriamente devem ser observados na concepção, construção e exploração de túneis rodoviários, e que cobrem aspectos como a geometria dos túneis, as vias de evacuação e saídas de emergência, a drenagem, a ventilação, os sistemas de vigilância e de detecção e combate a incêndios, etc. Por exemplo, no que se refere à geometria dos túneis, a Directiva determina que não devem ser permitidos declives superiores a 5%, sendo que o túnel do Marquês apresenta declives muito superiores.

A segunda questão tem a ver com a forma como a obra foi adjudicada por ajuste directo e com a forma como se deu início aos trabalhos, aparentemente sem estarem reunidas as necessárias condições técnicas e legais para estas tomadas de decisão. Que razões ponderosas justificam tais procedimentos aligeirados e apressados, quando se está perante uma obra de tão grande responsabilidade?

A terceira questão tem a ver com a forma "esperta" e pouco compatível com os tão propalados conceito de desenvolvimento sustentável e princípio da precaução - que ficam sempre bem nos discursos políticos, mas a que frequentemente se procura fugir na prática - com que se pretende levianamente ultrapassar o espírito da legislação nacional e comunitária relativa à avaliação do impacte ambiental dos projectos susceptíveis de produzirem efeitos negativos significativos, directos e indirectos, sobre o ambiente natural e social, como é claramente o caso do túnel do Marquês.

Recorrer a interpretações especiosas dessa legislação, na procura de eventuais "frestas" por onde se possa fugir ao seu cumprimento, quando o que se exigia, face à natureza do projecto, era que a avaliação de impacte ambiental, com a correspondente consulta pública fossem realizadas, mesmo que a legislação em vigor a isso não obrigasse taxativamente, evidencia claramente uma visão retrógrada de desenvolvimento que já devia ter sido ultrapassada.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 6.Mai.2004)

Comments:
Foda-se ó Mario Lino, andas tu a escrever estas merdas e depois quando chegas a ministro fazes o mesmo ou pior?
 
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