quinta-feira, abril 22, 2004
Porque estamos a ser "bombardierados"?
Continua na ordem do dia o interessante debate sobre os Centros de Decisão Nacionais (CDN) e os Centros de Competência Nacionais (CCN), agora marcado pelo fecho anunciado da fábrica da Bombardier (ex-Sorefame) da Amadora.
Recorde-se que esta fábrica possui um riquíssimo know how, acumulado ao longo de várias décadas, no domínio da fabricação de carruagens de aço para comboios, constituindo, por isso, um importante CCN nesse domínio e um relevante factor de desenvolvimento económico e social para o nosso País, mas cujo Centro de Decisão já não está em Portugal, mas sim no Canadá.
A decisão do fecho da fábrica, tomada pelo seu actual Centro de Decisão, vem mostrar claramente que ter apenas CCN não é, só por si, garantia de que tais CCN se mantenham em Portugal, contrariando, assim, a tese defendida por alguns promotores de recentes transferências de CDN para outros países.
É que, como já havia referido em 23 /Março passado nesta minha coluna quinzenal, há uma competência que nos fica sempre vedada se só tivermos CCN: é a competência para tomar decisões. E se não tivermos esta competência, mais cedo, antes que mais tarde, perderemos ou diminuiremos também, inexoravelmente, as outras competências. A manutenção dos poucos CDN que possuímos, especialmente em áreas estratégicas para o nosso desenvolvimento económico e social, bem-estar e afirmação no Mundo é, por isso, um desígnio patriótico da maior relevância que nenhum Governo pode, legitimamente, descartar.
Esta mesma ideia, que já havia sido defendida no chamado Manifesto dos 40 divulgado em Outubro de 2002, foi também expressa, por exemplo, por Nicolau Santos (NS) no semanário Expresso de 3/Abril passado, precisamente a propósito do caso Bombardier. A questão que se põe é sobre qual é a melhor estratégia do Governo para garantir a manutenção no País dos nossos CDN.
Para responder a esta questão, NS, por exemplo, defendeu que o Governo deveria ter uma estratégia sobre os CDN a manter no País e actuar através de estímulos junto dos empresários nacionais, de forma a incentivá-los a procurar soluções nacionais para os seus problemas individuais, designadamente promovendo a aliança entre grupos empresariais nacionais, para que os CDN a que estão ligados possam ganhar uma maior dimensão e capacidade de concorrência, dando como exemplo as anunciadas vendas de mais duas importante empresas portuguesas: a Soponata pelo Grupo Mello e a Sacor Marítima pela Galp. Parece ser uma ideia interessante a reter, mas tenho as maiores dúvidas de que, só por si, seja suficiente para se atingirem os objectivos propostos.
Abordando a mesma questão, Francisco Sarsfield Cabral (FSC), em artigo publicado no Diário de Notícias de 7/Abril passado refere, em comentário ao artigo de NS, que mesmo que o Centro de Decisão da Bombardier estivesse em Portugal, não estava a ver como é que uma empresa sem encomendas poderia sobreviver, a menos que fosse mantida artificialmente com o dinheiro dos contribuintes ou que o Governo pressionasse empresas nacionais de transporte rodoviário para lhe comprar material circulante em condições desfavoráveis de qualidade e preço, o que certamente não seria boa ideia. Quanto a outros estímulos, FSC considera que a sua aplicação envolve sempre uma política proteccionista.
É pena que FSC não se tenha lembrado de dizer que, no caso da Bombardier, se o Centro de Decisão estivesse em Portugal, talvez a empresa estivesse auto-estimulada, por exemplo, e entre outras alternativas, a alargar as suas competências à produção de outro tipo de equipamentos, bem como a alargar a sua intervenção nos mercados internacionais, ou ainda a fazer algum acordo com a Siemens, soluções que talvez não interessem à actual estratégia do Grupo Bombardier.
Mas, em minha opinião, e como já referi no citado artigo de 23/Março passado, o que melhor responde ao objectivo de manter em Portugal os CDN é o Estado ter um controlo adequado desses CDN, sem prejuízo, evidentemente, do relevante papel que os empresários e gestores privados nacionais podem ter no cumprimento desta missão.
(Artigo publicado no "Diário Económico" de 22.Abr.2004)