quinta-feira, abril 08, 2004

A água que vem de Espanha


A Convenção sobre Cooperação para a Protecção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-espanholas, assinada em Novembro de 1998 pelos Governos de Portugal e de Espanha, veio a ser ratificada, primeiro por Portugal em Agosto de 1999 e, depois, por Espanha em Janeiro de 2000, estando, portanto, em vigor há cerca de 4 anos.

Recorde-se que esta Convenção definiu um novo quadro técnico-jurídico, equilibrado, bem elaborado e fundamentado, de relacionamento entre os dois países no que se refere às bacias partilhadas, que garante melhores condições para Portugal defender os seus legítimos direitos e interesses. Além disso, a Convenção integra, como um dos seus objectivos fundamentais, a protecção dos ecossistemas e lança as bases para uma gestão coordenada, entre os dois países, dos recursos hídricos das bacias luso-espanholas, no quadro de um aproveitamento sustentável desses recursos que tem na defesa do ambiente um dos seus vectores essenciais. Finalmente, deve-se referir que a Convenção incorpora já as disposições da Directiva-Quadro Europeia da Água (que entretanto veio a ser adoptada pela EU durante a presidência portuguesa de 2000) aplicáveis às bacias hidrográficas partilhadas, e integra o actual estádio de desenvolvimento do Direito Internacional aplicável a esta situação.

Como é evidente, a Convenção deve ser considerada como o ponto de partida de um processo de coordenação da gestão e de partilha de água dessas bacias, constituindo uma plataforma de negociação mais favorável para Portugal do que o regime anteriormente vigente, salvaguardando também as perspectivas e interesses espanhóis nesta matéria. Por esse motivo, as virtudes da Convenção e a minimização das insuficiências que também encerra, dependem, em grande medida, dos esforços portugueses para dinamizar e influenciar a resolução das questões que a Convenção deixou em aberto ou que são ou venham a ser negativas para Portugal.

Entre estas questões citam-se, por exemplo, a definição do regime de caudais afluentes a Portugal que Espanha deverá garantir, uma vez que a Convenção fixa apenas um regime de caudais mínimos, em termos anuais, de carácter provisório e não aplicável em períodos de precipitação reduzida. O regime definitivo, que deverá ser estabelecido de acordo com um conjunto de importantes princípios estabelecidos na Convenção, constitui uma das mais urgentes tarefas a ser realizadas pela Comissão para Aplicação e Desenvolvimento da Convenção, criada pela própria Convenção.

Entretanto, pouco se sabe do que se avançou nesta matéria, havendo razões para se poder afirmar que se avançou muito pouco. Por exemplo, o actual Governo ainda não nomeou sequer os membros da parte portuguesa daquela Comissão, contrariamente ao que sucedeu com Espanha.

Esta surpreendente apatia e desinteresse por parte do Governo português, numa matéria da maior relevância para o desenvolvimento e o futuro do País, deveria ser publicamente explicada.

O programa eleitoral e o recente discurso do PSOE, partido que acabou de vencer as eleições legislativas no país vizinho, parece abrir perspectivas promissoras de um melhor entendimento ibérico em matéria ambiental, designadamente no que se refere à determinação anunciada no combate à poluição dos rios, no abandono da política de transvazes e na intenção de substituir gradualmente a energia nuclear por formas de energia mais seguras e mais limpas. Mas nem tudo é claro nesta matéria: por exemplo, no que se refere ao transvaze do rio Ebro para o rio Segura, que estava já em desenvolvimento com o Governo de Aznar, o Programa eleitoral do PSOE aponta para uma reavaliação desta decisão, mas admite a possibilidade do transvaze se vir a fazer a partir do Ebro ou de outro rio, o que querer dizer que a hipótese de ser o Douro ou o Tejo pode voltar a estar em cima da mesa.

É, por isso, imperioso que o Governo português se empenhe urgentemente na dinamização da Comissão para Aplicação e Desenvolvimento da Convenção e no aprofundamento do trabalho realizado durante e imediatamente após a elaboração desta Convenção.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 8.Abr.2004)

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