quinta-feira, março 25, 2004

Combater o terrorismo


Tinha pensado abordar hoje, nesta coluna, algumas das mudanças positivas esperadas relativamente à política da água em Espanha, especialmente no que se refere às bacias hidrográficas luso-espanholas, decorrentes das alterações políticas recentemente verificadas no país vizinho. Mas perante o intenso debate político e ideológico desencadeado por aquelas alterações, pela gravidade da situação que actualmente se vive em todo o Mundo devido ao alastrar do terrorismo, e pela absoluta necessidade de se encontrarem formas mais adequadas de o combater, considero um dever imperioso de cidadania participar, neste momento, nesse debate, deixando para depois as questões da água.

Pelo que se tem lido e ouvido na comunicação social, diversos políticos, analistas e comentadores parecem não querer ou não ser capazes de tirar as devidas conclusões dos dramáticos actos terroristas que, recentemente, mataram e feriram várias centenas de inocentes em Espanha.

Com arrogância, classificam o povo espanhol de estúpido e cobarde por ter corrido com o PP do governo de Espanha e por assim, dizem eles, ter cedido ao terrorismo e dado uma vitória à Al Qaeda. Depois, amargurados, choram a quebra de solidariedade que o resultado da votação nas eleições espanholas, no seu entender, representa para com os EUA. Voltam então a encher o peito e a engrossar a voz para acusar quem não pensa como eles de estar a fazer o jogo do terrorismo. Mas a realidade é outra.

Invadir o Iraque (ou qualquer outro país) à margem do direito internacional e com falsos fundamentos é que é fazer o jogo do terrorismo: nem o regime de Saddam Hussein, como se sabe, estava envolvido com a Al-Qaeda nos bárbaros ataques terroristas de 11/Set/2002 aos EUA, nem quaisquer armas de destruição massiva foram encontradas no Iraque. Nem sequer o estafado argumento, posteriormente avançado, de que se pretendia eliminar um regime déspota e sanguinário justifica a invasão de um país à margem do direito internacional para, alegadamente, se impor nesse país uma democracia à bomba e à custa da sua destruição e da morte de milhares de inocentes.

Mentir descaradamente ao povo espanhol e à opinião pública mundial, atribuindo à ETA, só porque dava jeito, a autoria dos atentados de Madrid perpetrados pela Al-Qaeda, é que é fazer o jogo do terrorismo.

Não contribuir determinadamente para resolver o problema palestiniano e manter o apoio objectivo à política belicista, expansionista e avessa à paz e à segurança internacional do governo de Ariel Sharon é que é fazer o jogo do terrorismo.

Os resultados estão à vista: a insegurança no Mundo, o desespero do povo palestiniano, o apoio a actos terroristas e a sua generalização a nível mundial, a criação de legiões de mártires que vão alimentando o terrorismo, a morte de inocentes, sejam eles americanos, espanhóis, italianos, marroquinos, palestinianos, etc. aumentam em vez de diminuírem. Até quando? Estar contra a política da administração Bush, tal como estar contra a política do governo de Aznar não é estar contra os EUA ou a Espanha, é estar a favor da paz e segurança internacionais, da verdade, da democracia, dos melhores valores do Homem. A derrota de Aznar e do PP espanhol foi, por isso, uma vitória corajosa e consciente dos povos de Espanha em prol daqueles valores e, portanto, uma derrota do terrorismo.

O combate ao terrorismo é imperioso e tem, certamente, de ser feito, com grande determinação e empenho, mas com base numa política de verdade, de concertação multilateral e de respeito pelo direito internacional, numa política genuinamente empenhada na resolução do problema palestiniano e no reconhecimento dos legítimos direitos dos povos oprimidos, numa política que promova prioritariamente a paz, a segurança mundial e o respeito pelos direitos humanos, e não a escalada crescente da guerra, do terrorismo e da arbitrariedade. É um combate que passa, portanto, também pelo afastamento democrático do poder de quem, tendo grandes responsabilidades políticas ao nível dos Estados e a nível mundial, faz objectivamente o jogo do terrorismo. Como sucedeu já, felizmente, em Espanha.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 25.Mar.2004)

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