quinta-feira, janeiro 29, 2004
Falácias suínas
A propósito da venda, pela família Vaz Guedes, das suas participações no capital da Somague à espanhola Sacyr, Pedro Serra, num artigo recentemente publicado neste jornal ("O Desígnio patriótico" - DE de 07/01/2004) critica a anterior administração da AdP-Águas de Portugal por, alegadamente, através da sua participada Aquapor, ter «dado a mão» à AGS, participada da Somague, em diversos concursos de concessão de sistemas municipais, o que, em sua opinião, teve como consequência que a AGS se transformasse rapidamente na maior operadora privada do sector da água em Portugal, «engordando o porco» (a expressão é sua) que agora foi parar a mãos espanholas.
Tal como já sucedeu por outras vezes em que Pedro Serra abordou a orientação seguida pela AdP, a argumentação expendida revela, no mínimo, um grande desconhecimento da matéria em questão, mais parecendo que parte de conclusões pré-concebidas (sabe-se lá porquê) para a tentativa da sua fundamentação com base em autênticas falácias.
Primeiro, porque a expressão «dar a mão» pode ser entendida como insinuação de que houve intenção de favorecimento da Somague pela AdP, e Pedro Serra tem todos os elementos para saber que tal insinuação não é justa. As empresas que se juntam em consórcio para participar em concursos públicos internacionais, como é o caso dos concursos de concessão de sistemas municipais, não o fazem para dar a mão umas às outras mas porque consideram que tais consórcios têm potencialidades para vencer os concursos. As parcerias estabelecidas entre a Aquapor, a AGS e outras empresas privadas (e não apenas a AGS) foram, neste contexto, parcerias com sucesso, na medida em que ganharam um número significativo de concursos, todas beneficiando desse facto, designadamente a Aquapor.
Segundo, porque a posição da Aquapor nesses consórcios nunca foi inferior à da AGS, pelo que a AdP «engordou» tanto a Somague quanto esta «engordou» a AdP. Apenas em dois concursos recentes, já na vigência da actual administração da AdP, a posição da Aquapor foi inferior à da AGS mas, curiosamente, Pedro Serra não refere este facto.
Terceiro, porque desde a abertura, em 1993, do mercado das concessões municipais ao sector privado, até Julho de 2001, a liderança deste mercado foi exercida pela Luságua, dominada pela operadora espanhola Águas de Barcelona, do Grupo Lyonnaise des Eaux (actual Grupo Ondeo), tendo esse domínio passado então para a Aquapor, quando esta empresa adquiriu a Luságua. Recordo que, na altura, Pedro Serra criticou esta aquisição, chegando mesmo a considerá-la uma «nacionalização» da Luságua, enquanto agora, curiosamente, lamenta que a venda da Somague à Sacyr tenha colocado em mãos espanholas uma fatia importante do mercado dos sistemas municipais, esquecendo, no entanto, que este continua a ser dominado pela Aquapor, não tendo tal domínio sido minimamente afectado por aquela venda.
Aliás, toda a orientação seguida pela AdP-Águas de Portugal no que respeita a parcerias e aquisições foi determinante para que o Grupo Águas de Portugal se tornasse o maior grupo empresarial português na área do ambiente e líder do mercado nacional nos seus domínios de actividade.
Saindo também em defesa da sua dama, Falcão e Cunha, Presidente da AGS, respondeu a Pedro Serra ("Águas públicas ou privadas" - DE de 23/01/2004) dizendo que afinal, quem tinha «engordado o porco» tinha sido a Somague, sendo «o porco», neste caso, a Águas de Portugal! Também não era preciso exagerar tanto e recorrer a argumentos tão risíveis como os que utiliza. Mas a Caixa Geral de Depósitos que se cuide, não esteja a Somague a emparceirar com ela para tentar a aquisição da Aquapor por razões do tipo das que diz terem estado na base da sua parceria com a Águas de Portugal.
Mas voltando a Pedro Serra, valha-nos o facto de estarmos ambos (e não só) de acordo - apesar de algumas dúvidas que, no entanto, refere - em que «se, de facto, pretendemos que certos centros de decisão permaneçam em mãos nacionais, assegure-se neles uma posição pública importante e quanto baste para o efeito», designadamente se for maioritária, acrescentaria eu.
(Artigo publicado no "Diário Económico" de 29.Jan.2004)