quinta-feira, janeiro 15, 2004
Falácias líquidas
1. A estratégia de desenvolvimento seguida pela AdP-Águas de Portugal desde a sua criação pelo Governo em 1993 tem visado, no essencial, o prosseguimento dos objectivos que então esidiram à decisão do Governo:
- constituir um instrumento empresarial da política pública do Ambiente, que assegurasse a melhor utilização dos fundos estruturais disponibilizados pela UE e que contribuísse eficazmente para a resolução dos graves problemas do País nos domínios do abastecimento de água e do saneamento (a que se juntou, em 2000, o domínio dos resíduos);
- criar um grupo empresarial de raiz nacional, forte e competente, capaz de competir com as grandes operadoras multinacionais que actuam no sector, evitando a subordinação do País a soluções tecnológicas importadas e atrofiadoras da tecnologia nacional.
É hoje, generalizadamente, reconhecido, tanto a nível nacional como internacional, que esta estratégia foi bastante bem sucedida. Na realidade, foi possível, em poucos anos, realizar um enorme volume de investimentos em infraestruturas que contribuíram não só para uma melhoria muito significativa dos níveis de atendimento da população portuguesa (em grande parte responsável pela subida, por parte de Portugal, no período 1995-2002, de dez lugares na escala de desenvolvimento humano das Nações Unidas), como para alimentar uma parte substancial da actividade das empresas portuguesas neste sector. Simultaneamente, o Grupo Águas de Portugal tornou-se o maior grupo empresarial português na área do Ambiente, tendo passado a liderar o mercado nacional nos seus domínio de actividade e multiplicado por mais de oito vezes o seu valor para o accionista, ou seja para o Estado Português.
No momento em que tantas vozes se vão levantando a defender a necessidade de se estabelecerem "pactos de regime" para garantir os necessários consensos nacionais relativamente à definição e execução de políticas estruturantes fundamentais para o País, designadamente quando o seu período de gestação e desenvolvimento é demorado e exige uma continuidade que não se compadece com as normais alternâncias dos governos, não pode deixar de se enfatizar o facto de o desenvolvimento verificado no Grupo Águas de Portugal só ter sido possível porque a estratégia em que assentou beneficiou da estabilidade e continuidade que lhe foi conferida pelos vários governos desde 1993.
2. Em consequência da sua importância e potencialidades, o Grupo Águas de Portugal está hoje sob a mira de poderosos interesses apostados, nuns casos, no seu controlo ou, noutros casos em que a capacidade desse controlo não existe, no seu desmembramento e perda de poder de intervenção.
Entretanto, no debate público que tem vindo a decorrer sobre a evolução passada e futura do Grupo Águas de Portugal vão surgindo, a par de muitas análises e opiniões naturalmente diferentes e discutíveis mas que revelam conhecimento e fundamentação, muitas outras que, pelo seu carácter claramente falacioso, só podem ser atribuídas, no mínimo, à ignorância ou perda de memória dos seus autores.
Uma das falácias mais repetidas é a de que a estratégia definida em 1993 era uma e que, depois, o Ministro José Sócrates mudou de estratégia! É o caso, por exemplo, do artigo "O erro de Sócrates", de Poças Martins publicado neste jornal (DE de 16 e 17/Dez/2003) em que a distorção da realidade vai ao ponto de afirmar que os cinco sistemas multimunicipais criados em 1993 tinham tido um carácter meramente excepcional, quando se sabe que os documentos que definiram a estratégia do Governo e os Decretos-Lei 372/93 e 379/93, respectivamente de 29/Out e 5/Nov que lhe dão forma legal e continuam em vigor conferem a essa estratégia um carácter claramente estruturante. Aliás, foi de acordo com essa estratégia que o actual Governo já criou três novos sistemas multimunicipais e tem em preparação a criação de outros, com o apoio das autarquias envolvidas.
Mas, valha-nos a "falácia de Poças", o seu autor conclui o artigo afirmando que o melhor é não alterar agora o "erro de Sócrates"!
(Artigo publicado no "Diário Económico" de 15.Jan.2004)