quinta-feira, dezembro 16, 2004
Ao menos um final digno
Ao aproximarmo-nos do final da actual legislatura, confirmam-se, infelizmente, as análises críticas e as piores previsões feitas nesta coluna, bem como por numerosos especialistas e o observadores, ao longo deste período, sobre a política da água prosseguida pelo Governo.
Assistimos, na realidade, no sector da água, desde o início desta legislatura, a uma política errática, sem estratégia credível, protagonizada e desenvolvida, em muitos casos, por actores medíocres ou mal apoiados que se têm arrastado e substituído em cena e que conduziram ao permanente incumprimento de metas e promessas, à estagnação no desenvolvimento deste importantíssimo sector e mesmo ao seu retrocesso face a metas já anteriormente alcançadas.
No Governo imperou a instabilidade e o zigue-zague nas orientações políticas: tivemos, em cerca de três anos, quatro ministros e não sei quantos Secretários de Estado diferentes, que se foram desdizendo uns aos outros e anunciando orientações e objectivos diferentes, contraditórios e sucessivamente adiados.
Na Administração, assistiu-se à quase paralisia das suas funções e à inconsistência da sua acção, em grande parte devido à ausência de meios e à incoerência das orientações políticas recebidas.
No sector empresarial, desbarataram-se dinheiros e energias, atrasaram-se investimentos decisivos para o desenvolvimento do País e, irresponsavelmente, procurou-se mais desmantelar o que antes tinha sido construído com solidez estratégica do que erigir qualquer alternativa credível e consistente.
A evolução verificada e os resultados alcançados nos principais dossiers da política da água são alarmantes e muito prejudiciais para o País.
A transposição da Directiva-quadro da água aprovada em 2000, documento da maior importância para a modernização e desenvolvimento da nossa política de recursos hídricos, leva já cerca de um ano de atraso, colocando Portugal em processo contencioso europeu sem fim à vista. A elaboração da nova Lei da Água, absolutamente necessária para actualizar o nosso ordenamento jurídico e institucional nesta matéria e para garantir a correcta implementação da Directiva-quadro da água, está também sem fim à vista, depois de, por várias vezes, ter sido anunciada a sua próxima aprovação. E note-se que, já em Março de 2002, o então Ministro do Ambiente José Sócrates tinha deixado pronto um anteprojecto de lei com estes dois objectivos.
A implementação da Convenção de Albufeira sobre a gestão dos recursos hídricos das bacias hidrográficas luso-espanholas, também aprovada em 2000, e que constitui um documento da maior relevância para a defesa dos nossos interesses nesta matéria, tem estado praticamente a marcar passo, mais por culpa do nosso Governo do que do Governo espanhol, evidenciando a enorme irresponsabilidade com que estas questões decisivas para o nosso desenvolvimento têm vindo a ser tratadas.
A concretização do PEAASAR - Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais, igualmente aprovado em 2000 com o objectivo de, até 2006, colocar os níveis de atendimento da população ao nível da média europeia, está já com mais de dois anos de atraso, correndo-se mesmo sérios riscos de Portugal vir a perder fundos comunitários disponibilizados para o efeito.
A eufemisticamente apelidada reestruturação do sector empresarial da água, na realidade uma estratégia delineada principalmente para destruir o grupo Águas de Portugal, dando livre acesso ao controle desta actividade pelos grandes grupos privados estrangeiros, tem passado por variadas versões contraditórias e pelo dispêndio de milhões de euros em estudos, reflectindo o desentendimento entre os que pretendem dominar o sector que é o que, felizmente, nos tem valido. Mas, de acordo com notícias vindas recentemente a público, parece que o Governo em gestão se está a preparar agora para, apressadamente, tomar ainda medidas de fundo nesta matéria, como sejam a da separação do Grupo Águas de Portugal da sua sub-holding EGF para a área dos resíduos.
Basta! Depois de tanta incompetência, estagnação e prejuízos para o País, ao menos que o Governo exiba um mínimo de dignidade no fim do seu mandato.
(Artigo publicado no "Diário Económico" de 16.Dez.2004)