quinta-feira, outubro 21, 2004

Becos e auto-estradas


A política do ambiente em Portugal, nos últimos dois anos, tem vindo a conduzir o País para um beco de onde não vai ser fácil sair. Objectivos da maior importância para o nosso desenvolvimento sustentável deixaram de estar no centro das preocupações governamentais, e as estratégias e programas anteriormente em curso para prosseguir esses objectivos perderam dinâmica ou foram levianamente abandonados.

Os exemplos são mais do que muitos. A Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável tem estado em "veto de gaveta". A Conservação da Natureza foi estrangulada financeiramente e os planos que estavam em preparação ficaram a marcar passo, havendo sérios indícios de se estarem a preparar graves atentados à gestão da REN-Reserva Ecológica Nacional e da RAN-Reserva Agrícola Nacional. A Inspecção do Ambiente viu reduzido, em vez de aumentado, o seu quadro de inspectores. A nova solução para tratamento dos resíduos industriais perigosos anunciada pelo Governo (que abandonou a solução anteriormente definida e que estava pronta para ser implementada) demora a ser concretizada e muito dificilmente estará operacional até ao final da presente legislatura. O aumento do recurso às energias renováveis não está a ser prosseguido com o ritmo correspondente às nossas obrigações internacionais, com reflexos muito negativos nos custos a suportar pelo País pelo incumprimento dessas obrigações.

Até as nossas obrigações perante a União Europeia, donde recebemos importantes meios financeiros para o nosso desenvolvimento, passaram a ser perigosamente negligenciadas. De acordo com a informação disponibilizada pela União Europeia, a posição de Portugal no "ranking" dos 15 Estados Membros, no que respeita à transposição das Directivas Comunitárias de Ambiente, passou do 9º lugar em Dezembro de 2001 (o que representou um aumento muito significativo relativamente aos anos anteriores), para o 3º lugar em Dezembro/2002, recuando depois para o 10º lugar em Dezembro/2003 e para o 13º lugar em Agosto/2004. Se considerarmos a UE a 25, Portugal ocupava, em Agosto/2004, o 20º lugar do "ranking", ou seja, ficava atrás da maioria dos novos 10 Estados Membros, com todo o significado que tal posição traduz. Esta evolução coloca Portugal numa situação muito difícil, designadamente face aos novos países aderentes, no que respeita à afectação de fundos comunitários no âmbito do próximo Quadro Comunitário de Apoio.

No que se refere, em particular, à política da água, a situação é alarmante. A transposição da Directiva-Quadro da Água leva já quase um ano de atraso; a implementação da Convenção de Albufeira sobre os rios luso-espanhóis marca passo por negligência grave da parte portuguesa; a chamada "reestruturação do sector da água" vai conhecendo múltiplas versões sem qualquer concretização, criando um clima de incerteza paralisante aos operadores públicos e privados.

Neste contexto, o que se passa com o Grupo Águas de Portugal chega a ser caricato: a implementação do PEAASAR - Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais está, pelo menos, dois anos atrasada, pondo em sério risco a utilização dos fundos comunitários disponibilizados para o efeito e a conclusão do processo de infra estruturação do País numa matéria da maior importância para a qualidade de vida das populações; mas o novo presidente do Grupo, em contrapartida, e num claro passo em frente à beira do abismo, anunciou, recentemente, o megalómano, absurdo e desnecessário projecto de construir uma "auto-estrada da água" entre o Minho e o Algarve, envolvendo muitas centenas milhões de Euros a ser suportados pelos consumidores. Esqueceu-se foi de que o princípio do utilizador-pagador não se aplica neste caso, dado não haver qualquer interesse para os utilizadores da água em utilizar essa "auto-estrada", pelo que este projecto só pode conduzir-nos, mais rapidamente ainda, para o beco em que estamos a entrar em termos ambientais e de desenvolvimento sustentável.Espero, sinceramente, que o actual Ministro do Ambiente possa inverter esta perigosa trajectória.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 21.Out.2004)

quinta-feira, outubro 07, 2004

Novas fronteiras


O processo de eleição dos órgãos nacionais do Partido Socialista que irão dirigir este Partido nos próximos dois anos chegou praticamente ao fim com a realização do Congresso Nacional do passado fim de semana.

Antes do Congresso, José Sócrates, o novo Secretário Geral, foi eleito, em votação directa e secreta, por mais de 80% dos votos expressos dos militantes, na eleição mais concorrida da história do Partido, que contou com a participação de 3 candidatos e mais de 36 000 votantes. No Congresso, a Moção de Orientação Política e as listas apresentadas por José Sócrates para os órgãos dirigentes a eleger obtiveram também mais de 80% dos votos dos delegados.

O PS tem, por isso, neste momento, largamente sufragada pelos militantes, uma orientação política clara e bem definida e órgãos nacionais dirigentes identificados com essa orientação.

Estou convicto de que, para uma grande parte dos portugueses, o Partido Socialista resultante deste processo eleitoral e o seu Secretário Geral reúnem um muito elevado capital de esperança para conduzir, com optimismo e confiança, os destinos do País no sentido de um significativo e sustentado progresso económico, social e ambiental, pondo fim ao ciclo de retrocesso, aumento das desigualdades, depressão e falta de confiança nas nossas capacidades em que, nos últimos anos, temos estado mergulhados.

Uma das tarefas mais importantes que o Partido Socialista tem para realizar, neste momento, é a da mobilização conjunta de todos os seus quadros e militantes, e dos portugueses em geral, para a construção e implementação de uma alternativa de Governo com aqueles objectivos, constituindo o Fórum Novas Fronteiras, anunciado por José Sócrates e que terá o seu arranque no próximo mês de Janeiro de 2005, um instrumento decisivo para o efeito.

Temos, assim, um PS que, tomando por inteiro os seus valores e a sua história, se apresenta confiante no seu insubstituível papel na sociedade portuguesa e essencialmente voltado para o futuro, para a resolução dos problemas concretos do País e dos portugueses.

Esta foi, aliás, uma das notas mais contrastantes entre as candidaturas de José Sócrates e Manuel Alegre: enquanto a primeira demonstrou clareza, convicção e determinação na definição da linha estratégica, na proposição de objectivos e na vontade e capacidade para os atingir, a segunda revelou-se insegura na estratégia, tímida nos propósitos e descrente nas capacidades próprias do Partido.

A questão da política de alianças levantada obsessivamente por Manuel Alegre e seus principais apoiantes, dentro e fora do PS, ao longo de toda a campanha, traduz bem estas diferenças. Pretendendo possuir uma linha clara nesta matéria, Manuel Alegre defendeu repetidamente que o PS, embora devesse apresentar-se nas próximas eleições legislativas com o objectivo de obter uma maioria absoluta de deputados para governar, dificilmente iria obter essa maioria, pelo que importava definir já, com muita clareza, a futura política de alianças, a qual, em seu entender teria de ser feita com o PCP e/ou o Bloco de Esquerda. E, perante a recusa mais do que justificada de Sócrates em aceitar esta formulação da questão das alianças, Manuel Alegre colocava, de forma acintosa, a dúvida se o que Sócrates iria fazer, caso o PS não obtivesse a tal maioria absoluta, não seria aliar-se à direita, ou recorrer a esquemas tipo "queijo limiano".

O que Manuel Alegre não compreendeu foi que a clareza da sua posição escondia também uma grande dose de opacidade, na medida em que nunca esclareceu o que faria no caso das alianças que propôs não se poderem concretizar, seja por falta de vontade da outra parte, seja por tal aliança só poder ser concretizada no caso do PS abdicar de valores, orientações e objectivos que considera fundamentais. Pelo que seria legítimo perguntar também a Manuel Alegre o que faria neste caso: uma aliança com a direita ou uma solução tipo "queijo limiano"?

Daí que o PS tenha optado claramente pela aliança de que importa tratar neste momento: a que envolve todos os portugueses que, com o PS, querem desenhar "novas fronteiras" e construir uma verdadeira alternativa política de maior progresso económico e maior justiça social.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 7.Out.2004)

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