quinta-feira, dezembro 30, 2004

Obsessões


Portugal produz, anualmente, cerca de 254 mil toneladas de resíduos industriais perigosos (RIP) de vários tipos, das quais grande parte não é sujeita a qualquer tratamento, indo-se juntar a alguns milhões de toneladas produzidas em anos anteriores e que têm vindo a ser depositadas, ao longo do tempo e sem controlo adequado, em vários pontos do País, contaminando os solos e as águas subterrâneas e constituindo um verdadeiro atentado ao ambiente e à saúde pública que empobrece e envergonha o País.

Estamos, portanto, perante um problema da maior importância que requer solução urgente - seja no que se refere às novas quantidades de RIP diariamente produzidas, seja no que se refere ao passivo ambiental - com base nas melhores tecnologias disponíveis, testadas e internacionalmente reconhecidas como adequadas.

Estas tecnologias são diversas, consoante as características dos diferentes tipos de RIP, havendo, em muitos casos, mais do que uma tecnologia aplicável ao tratamento de um dado tipo de resíduos.

Como tem sido exaustivamente demonstrado com o apoio de estudos e pareceres técnico-científicos idóneos e independentes e pela prática vigente nos países mais desenvolvidos e com políticas ambientais mais evoluídas, como a Suécia, Alemanha, França, EUA, etc., para uma parte significativa destes RIP - cerca de 80 mil toneladas por ano, ou seja, mais de 30% do total de RIP anualmente produzidos, a que acrescem as que integram o actual passivo ambiental - a tecnologia que mais rápida, eficaz e eficientemente, e sem problemas significativos para o ambiente e para a saúde pública, pode resolver o problema é a da valorização energética destes resíduos através da sua co-incineração em fornos de cimenteiras. Tal solução tem a grande vantagem de estar mais imediatamente disponível e de não impedir o recurso futuro a outras soluções que o desenvolvimento científico e tecnológico venha a aconselhar como ainda mais adequadas, à medida que tais soluções estejam devidamente testadas e operacionalmente disponíveis.

Constituiu, por isso, uma grande incompetência e leviandade política o abandono no início de 2002, por parte do Governo PPD/PSD-CDS/PP, da co-incineração para esta parte dos RIP, abandono esse motivado, fundamentalmente, por razões de oportunismo político-partidário e sem que o Governo tivesse, na altura, qualquer solução alternativa válida para implementar.

Os resultados estão à vista. Passados quase três anos, e contrariamente ao que havia prometido, o Governo não conseguiu pôr a funcionar qualquer solução alternativa que se revelasse mais eficaz e eficiente do que a co-incineração, aumentando assim o já elevado passivo ambiental existente e continuando sem fim à vista para resolver o problema.

Para escamotear este enorme fracasso político que está a causar graves prejuízos ao País, o Governo apresentou, no início de 2003, uma solução baseada na construção dos CIRVER-Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos cujo desenvolvimento se tem vindo penosamente a arrastar e que, na melhor das hipóteses, não estarão operacionais antes de 2007. Acresce que, no que se refere em particular aos RIP susceptíveis de valorização energética através da co-incineração, a solução do Governo se baseia, em grande medida, em tecnologias ainda pouco testadas e com resultados, custos e consequências ainda não devidamente esclarecidos. Ainda assim, os defensores da solução do Governo reconhecem que para uma parte destes resíduos só a incineração é o tratamento adequado, mas a obsessão contra a co-incineração é tal que, mesmo neste caso, defendem a exportação desses resíduos, para serem incinerados ou co-incinerados noutros países, como se esta solução fosse boa para esses países mas má para Portugal, traduzindo assim a inconsistência, a má consciência e o oportunismo da sua política ambiental.

Com o previsível regresso do PS à governação do País, agora liderada por José Sócrates que se bateu pela co-incineração com grande convicção e empenho é, pois, natural que esta solução venha, de novo, a ser encarada e que a obsessão contra a co-incineração seja substituída pela obsessão a favor da resolução urgente do problema dos RIP no País.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 30.Dez.2004)

quinta-feira, dezembro 16, 2004

Ao menos um final digno


Ao aproximarmo-nos do final da actual legislatura, confirmam-se, infelizmente, as análises críticas e as piores previsões feitas nesta coluna, bem como por numerosos especialistas e o observadores, ao longo deste período, sobre a política da água prosseguida pelo Governo.

Assistimos, na realidade, no sector da água, desde o início desta legislatura, a uma política errática, sem estratégia credível, protagonizada e desenvolvida, em muitos casos, por actores medíocres ou mal apoiados que se têm arrastado e substituído em cena e que conduziram ao permanente incumprimento de metas e promessas, à estagnação no desenvolvimento deste importantíssimo sector e mesmo ao seu retrocesso face a metas já anteriormente alcançadas.

No Governo imperou a instabilidade e o zigue-zague nas orientações políticas: tivemos, em cerca de três anos, quatro ministros e não sei quantos Secretários de Estado diferentes, que se foram desdizendo uns aos outros e anunciando orientações e objectivos diferentes, contraditórios e sucessivamente adiados.

Na Administração, assistiu-se à quase paralisia das suas funções e à inconsistência da sua acção, em grande parte devido à ausência de meios e à incoerência das orientações políticas recebidas.

No sector empresarial, desbarataram-se dinheiros e energias, atrasaram-se investimentos decisivos para o desenvolvimento do País e, irresponsavelmente, procurou-se mais desmantelar o que antes tinha sido construído com solidez estratégica do que erigir qualquer alternativa credível e consistente.

A evolução verificada e os resultados alcançados nos principais dossiers da política da água são alarmantes e muito prejudiciais para o País.

A transposição da Directiva-quadro da água aprovada em 2000, documento da maior importância para a modernização e desenvolvimento da nossa política de recursos hídricos, leva já cerca de um ano de atraso, colocando Portugal em processo contencioso europeu sem fim à vista. A elaboração da nova Lei da Água, absolutamente necessária para actualizar o nosso ordenamento jurídico e institucional nesta matéria e para garantir a correcta implementação da Directiva-quadro da água, está também sem fim à vista, depois de, por várias vezes, ter sido anunciada a sua próxima aprovação. E note-se que, já em Março de 2002, o então Ministro do Ambiente José Sócrates tinha deixado pronto um anteprojecto de lei com estes dois objectivos.

A implementação da Convenção de Albufeira sobre a gestão dos recursos hídricos das bacias hidrográficas luso-espanholas, também aprovada em 2000, e que constitui um documento da maior relevância para a defesa dos nossos interesses nesta matéria, tem estado praticamente a marcar passo, mais por culpa do nosso Governo do que do Governo espanhol, evidenciando a enorme irresponsabilidade com que estas questões decisivas para o nosso desenvolvimento têm vindo a ser tratadas.

A concretização do PEAASAR - Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais, igualmente aprovado em 2000 com o objectivo de, até 2006, colocar os níveis de atendimento da população ao nível da média europeia, está já com mais de dois anos de atraso, correndo-se mesmo sérios riscos de Portugal vir a perder fundos comunitários disponibilizados para o efeito.

A eufemisticamente apelidada reestruturação do sector empresarial da água, na realidade uma estratégia delineada principalmente para destruir o grupo Águas de Portugal, dando livre acesso ao controle desta actividade pelos grandes grupos privados estrangeiros, tem passado por variadas versões contraditórias e pelo dispêndio de milhões de euros em estudos, reflectindo o desentendimento entre os que pretendem dominar o sector que é o que, felizmente, nos tem valido. Mas, de acordo com notícias vindas recentemente a público, parece que o Governo em gestão se está a preparar agora para, apressadamente, tomar ainda medidas de fundo nesta matéria, como sejam a da separação do Grupo Águas de Portugal da sua sub-holding EGF para a área dos resíduos.

Basta! Depois de tanta incompetência, estagnação e prejuízos para o País, ao menos que o Governo exiba um mínimo de dignidade no fim do seu mandato.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 16.Dez.2004)

quinta-feira, dezembro 02, 2004

O Governo incubado


No último fim de semana, o senhor Primeiro Ministro acabou, finalmente, por confirmar, contristadamente, que o seu Governo estava impreparado e incapacitado para dirigir os destinos do País, como aliás também já tinha sido comprovado e denunciado por grande parte do povo. Para fazer esta confirmação, Pedro Santana Lopes não recorreu, no entanto, à exposição directa dos factos e das suas causas, nem sequer à forma indirecta da parábola. Para espanto da Nação, preferiu recorrer a uma forma inédita em política, embora apropriada à expressão da desgraça, com o dramatismo que a situação do País justifica: cantou o fado para a sua família política, no caso vertente, uma variante do antigo e conhecido fado da Rosa Enjeitada. A criatividade da solução não se ficou por aqui: aproveitou a oportunidade de uma visita de Estado ao Norte do País para expor o drama familiar que tem atormentado a sua governação: o seu Governo foi mal-amado e indesejado antes de nascer, depois nasceu impreparado para a vida e, uma vez metido, por razões óbvias, na incubadora, tem sido alvo de maus tratos por parte de importantes membros da sua família.

Os sinais desta tragédia que tantos prejuízos tem trazido para o País são, aliás, bem conhecidos.

Durão Barroso, o anterior Primeiro Ministro e Presidente do PPD/PSD, pai da criança, abandonou a casa e a família e foi para Bruxelas ainda antes da criança nascer, não pretendendo assumir responsabilidades pela paternidade.

Não há certezas quanto à mãe, apenas se sabendo que abandonou a criança à nascença. Mas Manuela Ferreira Leite, a segunda figura do anterior Governo e figura de topo do PPD/PSD, politicamente íntima de Durão Barroso (será, porventura a própria mãe?), percebendo que este rebento, pelas suas previsíveis características, ia ter grandes problemas em sobreviver, defendeu, com o apoio de outros importantes membros da família, a interrupção voluntária da gravidez logo nos primeiros dias da gestação, solução que não vingou devido, entre outras, à nefasta influência de Paulo Portas da família amiga CDS/PP. Como se sabe, Manuela Ferreira Leite acabou por ser banida pela família, passando a ser tratada como uma desconhecida, mesmo no seu bairro, conforma a própria confessou. O mesmo tem vindo a suceder com outros familiares críticos deste nascimento.

O povo, muito preocupado com o que ia assistindo e com as catástrofes que se avizinhavam para o País, queria ser ouvido sobre a sucessão do anterior Governo, também ele já caído em desgraça perante o povo, mas não o deixaram, o que provocou uma compreensível e enorme insatisfação e um estado de grande depressão na Nação.

Para mal dos nossos pecados, a criança nasceu impreparada para a vida e teve de ser metida numa incubadora. Mesmo assim, insistiram em lhe atribuir o poder de governar, coisa nunca vista numa situação destas. Conhecem-se, da História, casos de monarquias em que jovens príncipes foram tornados reis ainda antes da maioridade, mas incubados e em regime republicano assumirem o poder de governar é caso único digno do livro de recordes do Guiness.

A agravar tudo isto, e segundo o actual Primeiro Ministro, muitos membros da sua família, em vez de mimarem a criança, não têm feito outra coisa senão abanar a incubadora e dar pontapés e estaladas no incubado.

Acresce ainda que, entre os membros da família PPD/PSD que têm lutado por manter a criança no poder, apesar da sua reconhecida incapacidade e da sua tendência para as trapalhadas, têm reinado grandes descoordenações de actuação, críticas surdas, desconfianças e intrigas, estando certamente já muitos deles a maldizer a hora em que se empenharam no seu nascimento e a pretender lavar daí as suas mãos. A coisa pode mesmo chegar ao ponto desta família sofrer uma desagregação de tal ordem que levará largos anos a recompor-se.

As relações com a família CDS/PP, inicialmente muito amiga e solidária (até porque tem colhido importantes benefícios da situação), têm igualmente evidenciado sinais de desentendimento.

Tudo isto tem estado a afundar cada vez mais o País e a agravar a desgraça e o descontentamento do povo.

É urgente, de facto, pôr fim a esta tragédia.

(Artigo publicado no "Diário Económico" de 02.Dez.2004)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?