quinta-feira, novembro 04, 2004
Um Ministro contraditório
Quem teve a oportunidade e o interesse em assistir, no Canal Parlamento da TV Cabo, à transmissão da recente audição do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território perante a Comissão Parlamentar de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, não pode ter deixado de ficar muito surpreendido com as intervenções de Nobre Guedes e de constatar o autêntico exercício do contraditório feito por este Ministro face aos seus três antecessores - Isaltino Morais, Amílcar Theias e Arlindo Cunha - e ao que tem sido a política de Ambiente do Governo da actual maioria no Parlamento.
Desde logo, porque apesar de ser um Ministro do CDS/PP, Partido que, no seu Programa Eleitoral de 1999, propunha o desaparecimento do Ministério do Ambiente e a sua substituição por uma Secretaria de Estado integrada no Ministério da Agricultura, Nobre Guedes procurou passar uma imagem de grande e empenhado defensor de importantes causas ambientais, desde a protecção do litoral até ao combate aos interesses que atentam contra a qualidade do ambiente, passando pelo desenvolvimento sustentável e pelo cumprimento do Protocolo de Quioto, tudo matérias que se inserem mal na política sectorial da agricultura.
Depois, porque o Ministro passou um autêntico atestado de incompetência e de falta de operacionalidade aos seu três antecessores, ao propor-se realizar, em seis meses, um vasto conjunto de medidas que esses antecessores não conseguiram realizar em dois anos e meio. Aliás, neste domínio, Nobre Guedes evidenciou uma grande obsessão pelo ex-Ministro José Sócrates, fazendo permanentemente comparações entre as orientações seguidas e o trabalho realizado por aquele Ministro durante dois anos e meio em que foi titular da pasta do Ambiente e o que ele, Nobre Guedes, queria fazer agora, como se, entretanto, não tivesse havido dois anos e meio de Governo Durão Barroso e três Ministros do Ambiente. A coisa foi mesmo ao ponto de Nobre Guedes ter apresentado, como muito positivo da sua parte, o facto de ter mantido como Inspector Geral do Ambiente o anterior Chefe de Gabinete de José Sócrates, esquecendo-se que estava a manter o Inspector Geral já antes também designado por Isaltino Morais e mantido por Amílcar Theias e Arlindo Cunha! E ainda bem.
Depois também, porque Nobre Guedes considerou completamente disparatada a posição de privatização da EPAL anteriormente defendida, com muita determinação, quer por Durão Barroso quer por outros Ministros do seu Governo, que chegaram a anunciar essa privatização até ao final de 2002. Assim como manifestou as maiores dúvidas relativamente à decisão do Conselho de Ministros de 17/Maio/2004 de, até ao final de 2005, privatizar a Águas de Portugal até 49% do seu capital social, contraditando, inclusivamente, as Grandes Opções do Plano acabadas de enviar à Assembleia da República pelo Governo a que o Ministro pertence. E tudo isto com o manear de cabeça de assentimento dos deputados da maioria que, anteriormente, se tinham maneado da mesma maneira quando medidas opostas foram apresentadas pelo Governo.
Por outro lado, Nobre Guedes parece estar, em muitos casos, deficientemente informado sobre a realidade dos factos, como já o demonstrou, por exemplo, a propósito de ter considerado inevitável, no próximo ano, o racionamento de água no Algarve se não chovesse suficientemente este ano, devido ao atraso da construção da barragem de Odelouca, quando existem soluções provisórias que podem e devem ser accionadas para evitar essa situação, competindo ao Ministério do Ambiente um decisivo papel nesta matéria.
Como é evidente, muitas das anunciadas intenções do Ministro Nobre Guedes devem merecer o nosso aplauso e apoio, tal como o devem merecer a sua declarada intenção de fazer e decidir, desde que faça e decida bem e no interesse do País, mas a verdade é que estamos apenas no reino das intenções anunciadas, desconhecendo-se o seu conteúdo concreto, e o mínimo que se pode dizer, neste momento, é que tais intenções não batem certo com as políticas que têm vindo a ser anunciadas ou praticadas, desde 2002, pelo Governo da actual maioria.
Alguém parece andar a enganar ou a ser enganado.
(Artigo publicado no "Diário Económico" de 4.Nov.2004)